“120 batimentos por minuto” dispara o coração – Crítica de Israel Lee

“Há momentos em que me dou conta de como a Aids mudou minha vida. É como se eu vivesse mais intensamente as coisas. Como se eu visse o mundo de outro modo. Como se ele agora tivesse mais cores, mais barulho, mais vida…” , diz o personagem Sean, interpretado por Nahuel Pérez Biscayart, aos colegas militantes, olhando pela janela do metrô. Mas a comoção causada por suas palavras aos ouvintes é logo quebrada por sua risada e o aviso: “Não. Tô zuando”.

 É com este cuidado de não cair em afetações, muito comuns em filmes que tratam da questão do HIV, que o diretor Robin Campillo mantém o tom de seu terceiro longa-metragem. A compreensão de que a realidade dos personagens já é o suficiente para provocar empatia no espectador é sem dúvida seu grande acerto.

Campillo sabe bem do contexto retratado no filme. Ele próprio fez parte da célula ativista AIDS Coalition to Unleash Power (ACT UP), criada por uma entidade em 1987na França, e que se propunha a uma batalha – muitas vezes desleal -, cujo objetivo era conscientizar a população sobre os riscos de proliferação da doença e sobretudo pressionar o governo e laboratórios farmacêuticos a serem mais ágeis em suas pesquisas e fornecimento de novas drogas aos pacientes infectados. Em meio a tudo isso, a luta diária para permanecer vivo, em um período onde ser soropositivo significava sentença de morte.

Tão logo o filme começa, somos inseridos junto a outros iniciantes ao grupo ACT UP. Logo estamos incorporados às assembleias onde os militantes debatem estudos sobre o tema da Aids e discutem formas de manifestação pública. A câmera, quase sempre na mão e próxima dos personagens, colabora para a sensação de intimidade. O elenco é tão afinado que o filme por vezes lembra o formato de documentário, tão real e visceral é o roteiro.

Quando o iniciante Nathan estabelece um envolvimento amoroso com Sean, vamos aos poucos adentrando a vida do protagonista. Só então o drama vai concentrando-se em seu personagem, isso sem nunca perder de vista a luta abrangente do movimento. Ao final, já estamos hipnotizados pela atuação de Biscayart.

A trilha sonora, com muita house music – sucesso entre a comunidade lgbt na época – faz a sincronia perfeita entre a batida da música e os batimentos do coração de uma geração que vivenciou no corpo todos os ônus e bônus a que está sujeito quem escolhe ser fiel a si mesmo.

120 Batimentos Por Minuto, além de ser o filme indicado pela França para tentar uma vaga na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2018, também levou o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes neste ano.

Em época onde uma forte onda de conservadorismo ressurge no mundo todo e os coquetéis contra o HIV dão falsa impressão de controle do número de novas infecções, “120 batimentos por minuto” é didático e necessário para alertar que nenhuma batalha está ganha. Tanto o vírus da ignorância quanto o da Aids continuam à solta. E ambos seguem sendo mortais.

 

Ficha Técnica

Direção: Robin Campillo

Roteiro: Robin Campillo

Elenco: Nahuel Perez Biscayart, Arnaud Valois, Adèle Haenel

 

Por: Israel Lee