O grande amor me empurra cama afora:“_Tem gato miando, faz psiu pra ele!”
Não quero ir. A cama tá quentinha e gato é bicho deus. E bicho deus engana a gente, sabendo tudo da gente. Mas, eu vou. O grande amor merece dormir bem mais que eu, que nem gosto muito e passei a mocidade tomando remédios de não dormir. No escuro não acho meus chinelos chineses. Lembrete: colar fita isolante colorida nos chinelos. De qualquer jeito, sempre acordo nessa hora da noite. É hora de pensar triste. O grande amo, não. O grande amor dorme na justeza de seu trabalho com moedas e papel. É da sua personalidade ter um sono céu. O grande amor não pensa triste. Pensa eficácia, pensa resultados. Eu faço falhas. Tenho licença pro sofrimento.
Abro a porta devagarinho, tão gato quanto o gato. Faço psiu! E ali está ele, sentado, fumando, com um copo na mão, cabeça baixa, triste e sofrido como recém parido. Um gato antropomórfico. Ameaçador e simpático, como um personagem de Diego Gerlach. Ele levanta a cabeça, me olha nos olhos e me fala com voz de fraquejo: ”_Me deixa chorar! Estão velando num circo, um irmão meu!”
Deixar a tristeza com quem a quer é o maior ato diplomático que conheço. Somos, eu e ele, veteranos de classes extintas. O deixo se deixar.