Confusa, meia-entrada não está disponível em todos os grandes shows

Para o show do NOFX, não há opção de ingressos com desconto: "A lei precisa ser regulamentada"

Quase um mês após sua aprovação, a lei da meia-entrada para estudantes tem implantação confusa em eventos no Rio Grande do Sul. Entre as produtoras de shows e espetáculos que se posicionam contra, as que não divulgam o benefício ou aquelas que o ignoram completamente, o que menos existe é a adoção total do desconto de 50% para “estudantes regularmente matriculados”, “jovens com até 15 anos” e “jovens entre 16 e 29 anos pertencentes a famílias de baixa renda”, como manda a nova regra. De sete grandes shows internacionais que virão ao Estado em 2015, ZH apurou que só um está vendendo ingressos de meia-entrada conforme a lei atual.

Para o show do NOFX, não há opção de ingressos com desconto: "A lei precisa ser regulamentada"
Para o show do NOFX, não há opção de ingressos com desconto: “A lei precisa ser regulamentada”

A Lei Estadual 14.612, de 1º de dezembro de 2014, assegura “o pagamento de meia-entrada do valor efetivamente cobrado para o ingresso em atividades culturais e esportivas, tais como espetáculos cinematográficos, teatrais, musicais, circenses, jogos esportivos e similares no Estado”. E a Assembleia Legislativa do Estado garante que a lei já está em vigência:

– A lei está vigente no Rio Grande do Sul. Quem não estiver cumprindo-a está fora da lei – afirma Leonel Rocha, diretor legislativo da Assembleia gaúcha.

Os empresários do ramo de espetáculos alegam que não há regulamentação e, por isso, restam dúvidas sobre como a cobrança e a fiscalização devem ser feitas. A Opinião Produtora, que trará em 2015 o show da banda The Wailers, não implantará a meia-entrada em seus ingressos por considerar a lei deficiente em uma série de aspectos.

– A lei não está regulamentada. Até que haja a definição de qual documento será aceito, quem fiscalizará, quais serão as multas para quem não implantar a meia-entrada e se os ingressos com desconto precisam ser vendidos em um ponto de venda ou em todos eles, não vamos adotar – diz Rodrigo Machado, sócio-diretor da Opinião Produtora.

O posicionamento da Abstratti, que traz o NOFX a Porto Alegre, é parecido: “não a estamos exercendo pois dentro de nossa análise a lei precisa ser regulamentada. A lei de meia entrada que utilizamos é a do Cassiá, que prevê 20% de desconto em ingressos a partir de R$ 100”, diz a empresa, em nota. A Opus também está entre as produtoras que não adotaram a nova lei da meia-entrada: para o show de Christina Perri, dia 25 de abril, o único desconto disponível é para idosos. A assessoria da produtora afirma que, nos pontos de venda físicos, há opção de desconto para estudantes. A PlusTalent, produtora responsável pela vinda do DJ David Guetta à Maori, em Xangri-lá, no dia 3, aplicou a lei, mas disponibilizou os ingressos com desconto em só um dos 27 pontos de venda físicos. O local (a Multisom do Shopping do Vale, em Cachoeirinha) estava indicado somente no evento criado para divulgar o show no Facebook. No site da casa noturna, não há nenhuma menção à meia-entrada. A produtora defende que a existência do ponto de venda é suficiente.

Com a vinda do Monsters Tour, festival que trará ao Estádio Zequinha Ozzy Osbourne, Motörhead e Judas Priest, a produtora Hits não concedeu o desconto total previsto pela lei. É possível comprar entradas com 20% de desconto para estudantes no ponto de venda físico – percentual estipulado pela lei antiga. Como a venda de ingressos para o festival começou após a aprovação dos novos termos, o evento está descumprindo a determinação. Lucas Giacomolli, sócio-proprietário da Hits, afirma que a produtora tem conhecimento da nova lei, mas argumenta que “não está regulamentada para garantir sua execução”. A Hits usa como base a lei municipal, “que está em vigor e não depende de regulamentação”.

Já o Planeta Atlântida, por exemplo, indica em seu site oficial todas as orientações para a compra de entradas com o desconto previsto. A compra dos ingressos com meia-entrada, no entanto, só pode ser feita em ponto de venda físico.

Especialistas admitem que há falhas na lei

 

O que falta para o sistema da meia-entrada no Rio Grande do Sul funcionar como, por exemplo, em São Paulo, onde o benefício é aplicado também por lei estadual?

– Há problemas, é uma lei que parece ter sido feita às pressas. Não há punição prevista, por exemplo. E o inciso 4º, que diz que a lei “poderá ser regulamentada”, deixa dúvidas – explica Felipe Ferraro, advogado membro da comissão especial de direito do consumidor da OAB-RS.

O inciso a que o jurista se refere diz o seguinte: “Esta lei poderá ser regulamentada para garantir a sua execução”. Ao dizer que “poderá”, o texto deixa a questão em aberto, diz o especialista. É uma possível defesa das produtoras que descumprem a norma. Com relação aos “jovens entre 16 e 29 anos”, a lei diz que as regras de comprovação da renda mensal (basicamente, uma prova de que a pessoa faz realmente parte de uma família de baixa renda) “deverá ser objeto de regulamentação” – o que ainda não existe, de acordo com Ferraro.

Para o consumidor, a alternativa é reclamar. A assessoria jurídica da Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul e os especialistas consultados recomendam procurar o Procon ou o Ministério Público (ao lado).

 

– As duas entidades que têm poder de exigir esse cumprimento são essas. Por telefone, por e-mail ou pelo site, o consumidor pode relatar sua situação. E isso dá resultado. O Procon, principalmente aqui no Estado, é muito atuante – garante Ferraro.

 

Outra solução indicada pelos especialistas seriam ações coletivas. São processos abertos por entidades ou grupos organizados. Esse expediente é habitual em países como os Estados Unidos, mas ainda não é muito comum no Brasil.

 

– Não faz muito sentido o sujeito entrar com um processo para reclamar de R$ 20, então é pouco provável que haja ações individuais. As ações coletivas, que poderiam ser exemplares nesses casos, não são propostas pelas instituições. Associações de defesa do consumidor, entidades de estudantes e o Ministério Público poderiam entrar com ações coletivas. Com isso, obrigariam o cumprimento da lei e até estabelecer o reembolso do que foi adquirido fora da lei – diz Adalberto de Souza Pasqualotto, professor de Direito na PUCRS e especialista em direito do consumidor.

TEEN-3C

Ok, mas como fica a situação para shows que começaram suas vendas antes da lei e seguem vendendo, como é o caso de Foo Fighters e Slash? Ambas as produtoras responsáveis, Time For Fun e Free Pass, estão praticando a legislação antiga, que oferece desconto de 20%, vigente à época em que começou a comercialização. Para Pasqualotto, a lei nova não se aplica a esses casos:

 

– É uma questão complicada, porque podem se aplicar dois princípios. Um é de que as leis não são retroativas. O outro é de que não se pode tratar desigualmente os iguais. Por que eu vou pagar menos do que uma pessoa que comprou o mesmo ingresso há um mês? A meu juízo, não se poderia aplicar aos espetáculos que já estão com venda aberta.

 

Por: ZH